domingo, 19 de outubro de 2014

Vórtex

                                      
                 É notório... Nos tornamos cada vez mais consumistas, enfeitiçados pelos lançamentos tecnológicos e pelas modas itinerantes...Tudo isso criou um ciclo vicioso, onde trabalhamos para comprar e depois, em função de pagar pelas prestações do cartão, e infelizmente, quando termina uma não é um alívio, mas sim uma vaga para uma outra compra...A tal capacidade de compra nos permite tirar nossos sonhos da cartola, e querer sempre mais, e sem percebermos...Algo corre paralelo a essa suposta fábrica de “felicidades e conquistas”, um sentimento que corrói pouco a pouco nosso corpo, nossa alma, nossas vontades...
                                      Tudo começa quando detectamos, ainda que superficialmente e ocultado pela vontade de manter seus compromissos em dia, que há um mal estar, uma atmosfera podre ao seu redor, algo fétido que torna sua rotina desconfortável, mas como um atleta de fim de semana, ignoramos as dores e seguimos em frente... Porém a cada semana que se termina, o alívio pelo fim de semana chegando começa a ser superior que a paixão do brasileiro pelo feriado e pelos Domingos...E, mesmo que não haja nada programado, mesmo que você seja o mais caseiro dos seres, o Domingo é a luz no fim do túnel, o bálsamo...Ansiamos por ele cada segundo da segunda à sexta. É seu corpo pedindo um descanso, mínimo que seja.
                                     Mas quando o Domingo à tarde, passa a trazer lágrimas... Sofrimento, afinal, pra quem se encontra nesse estágio, o último raio e sol do Domingo significa o primeiro raio de sol da segunda. Então, quando entramos no transporte público para irmos trabalhar e rezamos para a viagem ser mais longa, quando chegamos ao prédio onde trabalhamos, desejamos voltar imediatamente pra casa, e chega a dar vontade de chorar só de olhar pra ele, sim, acende-se a luz vermelha, não haverá felicidade mais ali, nada ali te fará bem. Quando o seu trabalho se torna seu pior pesadelo, quando seus colegas de trabalho parecem personagens de filme de suspense, aparentemente todos contra você, todos querendo lhe arrancar a última gota de sangue...Seu trabalho se torna, indiscutivelmente o seu desprazer, seu inimigo, seu pesadelo, rouba-lhe suas noites de sono, e quando consegue dormir, se instala em seu subconsciente e te traz pesadelos, com chefes, tarefas e cobranças eternas...E assim, sua mente também pede um descanso, por mínimo que seja.
                                     Um a um, seus sorrisos vão entrando em extinção na mesma velocidade que suas responsabilidades e cobranças entram em propulsão no seu trabalho, e começa-se a questionar se trabalhamos para viver, ou se vivemos para trabalhar... Até onde é importante ter sua vida atrelada a esse tipo de sofrimento incompreensível aos outros, mas que rouba-lhe tudo, até suas poucas horas de descanso, até onde pode ser mais importante vender sua alma e seu corpo a troco de prestações de sonhos.... Os pesadelos começam a pesar mais que os sonhos, e cada vez menos nos importamos com o que o mundo dirá se um dia você abdicar desse fardo. O vórtex começa a consumir tudo o que amam em você, seus sorrisos, sua alegria, sua saúde.

                                    Contudo, o que mais tortura é a indecisão sobre o próximo passo... O que deve-se fazer? Dar fim a todo esse sofrimento e mergulhar rumo ao desconhecido, sendo julgado pela maioria esmagadora como incapaz... Como fraco... Como medroso? Ou suportar até que se perca a sanidade, e assim se tornar mártir filosófico, por que somente assim saberão de fato que adoeceste tentando manter seus compromissos, seu caráter, sua dignidade, tentando fazer jus à oportunidade que na verdade é uma infinita perseguição, tentando fazer jus à confiança, que na verdade nada mais é do que uma rotina de cobranças intermináveis, tentando alcançar o inalcançável status de satisfação a todos, fazendo todos à sua volta felizes. E te fazendo desistir da sua, almejando apenas o descanso, a paz. Sentar-se a margem de sua vida e ficar assistindo esse vórtex lamber tudo impiedosamente é o que muitas pessoas tem feito, caindo em desgosto e depressão, e sem apoio nenhum de família ou amigos, não há psicólogo que entenda, que conheça a realidade de quem não quer mais dar nenhum passo, nenhuma palavra mais, tudo o enoja, ninguém é confiável...Ali, lhe é arrancado muito mais que suor, sangue e horas, lhe é tirado a motivação para qualquer coisa nesta vida. Logo, aquele ser consumista, também desaparecerá, pois quem quer vender mais alguns meses da sua vida? Sabe-se que o preço daquela “conquista’ será muito maior que o pago ao banco. Acordemos, ainda que isso lhe custe ser julgado, ainda que isso lhe custe a solidão. Afinal, quem passa por isso, tira a prova real do antigo ditado: Dinheiro não é tudo. Não! Não é....

domingo, 5 de outubro de 2014

O último encontro

                                                               
        A maioria de nós passa a vida procurando, vasculhando cada pedacinho da alma, revirando toda a essência buscando respostas... Geralmente respostas sobre aquilo que muitos chamam de razão para viver... E muitas vezes não nos damos conta quando tropeçamos nela. O que te faz levantar todos os dias? O que te faz acreditar num amanhã? O que te faz ter esperança quando o sol se levanta? O que te faz se reerguer após tantas derrotas pessoais, tantas traições e amarguras... Tantas dores? Aquilo que acreditamos ser o recomeço, o reinício, pode ser um traço da razão de tudo.
                          O fato de acreditarmos estarmos sempre no caminho certo, fazendo o certo, sendo honestos e bons, traveste facilmente o que realmente somos : descrentes...Desatentos, injustos, e cada vez menos humanos, altruístas...Deixamo-nos corromper facilmente seja por dinheiro ou vaidade...Somos bem menos do que as informações da embalagem! O que mais impressiona é a capacidade de alguns de nós de afirmar com toda a certeza de que está salvo, que garantiu seu lugar junto ao pai...Porém ele nos vê em todos os momentos e não só de fora pra dentro, mas ele nos vê de dentro pra fora também, vê com nossos olhos, conhece nossos corações, e tudo o que há neles...Tudo o que precisamos saber sobre o último encontro é que ele é inevitável, e que por mais que nos achemos preparados para ele, jamais estaremos...Não encham seus corações de ilusões...No momento certo, encontraremos a paz da maneira menos imaginada, e, quem sabe tudo o que fazemos, nossas ações e reações são em prol desse encontro?
                          Vislumbrei meu último encontro em meus sonhos... Eu me vi claramente no lugar mais lindo que já conheci, uma praia maravilhosa...Águas quentes, areia fina, maré baixa... Andei por toda a extensão dela e me sentei junto aos corais para ver o pôr do sol, era um sonho como outro qualquer senão pelo fato de estar completamente só...Até ele chegar, era um homem comum, sem as aparências imaginadas por nós e pintadas em quadros ou ilustradas pelos livros a vida inteira, era um pescador, trazia uma rede em um dos braços e o sorriso cansado de quem trabalhara pesado o dia inteiro... Sentou-se ao meu lado e me perguntou se eu havia gostado da praia... Eu disse que já a conhecia, já estivera ali antes mas não me lembrava quando... Ele sorriu novamente, e disse: “Eu sei! Esse é o lugar mais lindo que já vi na vida!! Foi o que você disse logo quando chegou aqui pela primeira vez, e foi por isso que te trouxe aqui de novo... Eu sei que sempre quis morar aqui...Então, aqui estamos!” Ele abriu sua rede sob a areia branca e em cada vão da rede uma cena de minha vida se passava... Nascimento, Infância, adolescência, casamento, o nascimento de meus filhos... Ali aparecia também muitas vezes a minha imagem chorando, e orando...E também cometendo os meus maiores erros... Conforme ele enrolava a rede novamente, as imagens iam acabando....E então eu não estava mais nas imagens, e sim as pessoas que eu amo, a mulher que amo, os meus amigos, meus filhos, meus pais... Todos sorrindo e falando de mim, dizendo coisas boas de mim, do quão sorridente e brincalhão eu sempre fui... Do quanto minha sinceridade e clareza me enrascava, do quanto aprenderam com minha insistência em ser autêntico. E então eu chorei de emoção e ele apenas disse: “Viu? E você pensando que estava só...” Só aí me dei conta, era meu último encontro. E o almejo todos os dias desde então...

                         Assim sendo, não importa o quanto se percorre do caminho, o quanto se acredita estar pronto, nunca estaremos! O que parece ser apenas mais um dia, apenas um recomeço, pode ser um passo importante para ter um encontro perfeito...Sem que você perceba , até estar nele que será o último, e mais importante...Quando os ventos levarem as últimas folhas da figueira, abrace quem ama, não tema lhes dizer o quanto são importantes para si, peça perdão à quem magoaste, refaça seus passos, veja onde errou... Pode ser apenas o outono, e as folhas podem voltar na Primavera, mas pode sim, ser o seu encontro chegando...Renascer, pode ser no fundo uma maneira honrada de jamais se render, e poder chorar de emoção ao ver os vãos da sua rede. Afinal, no último encontro, naquele que mais importa, precisamos estar em paz.