terça-feira, 21 de abril de 2020

CONTÁGIO


                           
              Vivemos dias de absoluta comoção, e algo que, sinceramente, não esperava viver para ver , mas se desenvolve bem diante dos meus olhos.... Algo até então impensável, mensurável apenas como sétima arte. Mas não, estamos sim, vivendo os piores pesadelos de nossa era.... Logo nossa geração, que sempre imaginou que guerras e poluição nos devastaria, mas a natureza, sempre encontra um caminho. Não poderia, ainda que relutantemente me abstenho de uma posição política, deixar de vir, aqui retratar meus sentimentos, como sempre o faço... é verdade, que de forma mais espaçada nos últimos tempos, por motivos de saúde somados a motivos pessoais, mas jamais me omitiria, jamais, meus pecados são tantos, mas não esse...
                               Curiosamente, o antidoto provisório e desesperado que se encontrou foi o isolamento.... Logo esse.... Tão comum na era moderna...O praticamos com tamanha destreza, tamanha sagacidade que nem sentimos culpa por isso…vivemos em caixas de entretenimento que variam as polegadas e definições, mas não nos conectam a corpos como antes.... Nos deram a difícil missão de fazermos aquilo que somos especialistas em fazer, como ferramenta para evitar nossas mortes.... Ficar em isolamento. Não ver mais nossos pais, avós, amigos, alguns até ficam longe do stress do trabalho físico. Mas, isso pode, ainda que como novidade para muitos, ser extremamente danoso às mentes, à alma, e sobretudo, aos corações.
                                Falo com o sentimento de quem, talvez, seja especialista, em afastar pessoas. Eu sou assim, tenho essa acidez rotulada em mim, não consigo mais, em nenhuma circunstância ser a mesma pessoa que antes abraçava e angariava amigos.  As derrotas e decepções podem sim, amargurar um coração ao ponto de quase torna-lo incapaz de enxergar além daqueles que estão ao seu lado, e creio, que isso pode ter sido o que se deu comigo. Tenho visto tanta gente refletindo de fato, sobre esse afastamento, sobre, como não se vive mais em comunidade, com a saudade de magnitude colossal, porque, de fato, há muito tempo, não vemos o outro.... Não sabemos que está ali... É da natureza humana se redescobrir em momentos como esse, se fazer cooperativo, solidário, irmão. É notório que sob essa condição somos mais capazes de romper as barreiras de gêneros, religiões, classes sociais.... Nos tornamos quase unidade, se colocar no lugar do outro...
Em contrapartida, há o estado de contágio verdadeiro: o envenenamento político.  Num momento delicado para o mundo, vemos algumas pessoas quase chegando as vias de fato por defenderem lados opostos politicamente falando. Dia a dia, crescem os contagiados pelo ódio, e pela ingênua sensação de que ter a razão irá trazer algum conforto, algum alívio. Milhões deixam famílias órfãs com proporções de confrontos armados ao mesmo tempo em que alguns acreditam se tratar de um jogo de xadrez, movendo peças, ganhando terreno.... Não poderemos nos recuperar de tudo isso, se não encaramos as coisas, como elas são. O mundo a qual conhecemos, os sonhos, os planos que tínhamos na virada do ano passado para esse ano, mudaram, tudo foi alterado.... Adiado, ou perdido. Casamentos que tinham sido planejados por anos, formaturas que eram sonhadas semestre a semestre, aulas que foram interrompidas, viagens canceladas, empregos perdidos, salários fracionados, fome e dor potencializadas. A cada boletim diário, um número assustador... Vidas perdidas, lágrimas, dor. E muitos se queixando de não ter mais paciência de esperar tudo passar.... É algo mundial, mas que afeta cada país com a realidade em que vive. Nosso sistema de saúde sempre foi precário, e nosso país é geograficamente vasto.... Somado ao fato de termos abismos sociais tão profundos que se estendem desde o descobrimento, nos torna alvo fácil nessa pandemia. Não podemos sob nenhum aspecto, dar importância a qualquer que seja o lado, pois, esse lado não existe. Não aqui.... Não hoje, não agora.... Não sob essas circunstâncias. O que existe, é o que vai ser feito, e o que vai acontecer, seja lá o que for... Seremos nós que arcaremos com tudo. Tudo. Se vivermos que esse traço esquecido de humanidade que temos resgatado seja de fato a cura. Senão para o vírus, para nossa vida. Para que tenhamos menos corações amargos. Menos rótulos, menos distância entre nós. Temos que tirar ao menos essa lição, de que todo o trabalho de quem está se arriscando para que fiquemos a salvo não seja em vão.... Para que tamanho distanciamento não se eternize em nossas almas.
                                   Portanto, a resposta para aqueles que se perguntam aonde está Deus no meio dessa pandemia, praga, peste, o nome que se dê ao que vivemos, continua sendo o amor. Não pelo que vemos no espelho, mas pelo que vemos à nossa frente, ao nosso lado.... No outro lado do muro, no outro lado da cerca, da cidade, do estado, do país do mundo. O amor pelo próximo, a genuína vontade de que ele sobreviva, que se cure, que não sinta fome, nem frio, que não se desempregue, que não morra. A bandeira do nosso Senhor: O amor à vida. Em estado pleno.
Cuidem-se meus irmãos.

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