quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Reboot

 


              Era para ser um início de década empolgante, vários inícios e inúmeros recomeços se misturavam numa nuvem de otimismo que atingia boa parte do nosso povo. Mas os dias ensolarados do verão passado se tornaram nebulosos, e nem sequer com a notícia que vinha do outro lado do mundo nos demos conta da gravidade do que se aproximava lentamente de nós.... De nossas casas, de nossas famílias. Assistimos a tudo o que acontecia pela TV e ainda assim subestimamos a natureza, mais uma vez... O tempo de se preparar para o que chegava se esvaiu como areia entre os dedos, e em meio a divisão de opiniões fomos tomados de assalto, pela nossa soberba, pela nossa prepotência talvez, não importa. O fato é que fomos atacados de surpresa. Ainda que não fosse tão “surpresa” assim... E então, uma vez mais, contrariando a lógica, não nos unimos contra algo que atingia a todos, mas nos dividimos entre os que temiam pela economia e os que temiam pela vida. Como se um existisse sem o outro.... Enfim, não há cunho político algum em relatar o que sentimos... E senti medo. Medo por nós, por todos nós.... Por que muitos de nós, não só não sentiram o mesmo medo, como desafiavam todas as normas e cuidados contra o que viria.

                  Por meses o que vimos foi uma guerra, cada vez mais um contra o outro enquanto médicos e enfermeiros enxugavam gelo tentando salvar vidas, e sem sucesso, tentando alertar para a gravidade de tudo. Milhões perderiam o emprego, outros milhares perderam a vida, e todos perdemos a paz.... Tudo se tornou ameaça. Não haveria mais casamentos, formaturas, viagens, shows, visitas... No fundo temi mesmo por não haver mais chances de dizer a algumas pessoas o que sentia. A economia, como disseram, entrou em colapso. Bem como o sistema de saúde que já não era funcional. E hoje, ainda vaga entre nós o caos e as incertezas, na verdade, somos uma ilha feita de caos cercada por um oceano de incertezas...

                 Ainda assim, mesmo que seja romantismo de minha parte, ou mesmo uma costumeira mania de viver a vida tentando me levantar.... Mas acredito mesmo.... Logo eu, o pessimista nato, que haverá um reboot, um impulso, um efeito que nos catapultará a nossas vidas normais.... Ou o que acreditamos ser normais.... Muitos pequenos e médios empresários perderam tudo, muitos setores simplesmente beiram o desaparecimento, mas o que creio que seja a nossa salvação é um dos nossos maiores defeitos. Somos consumistas por natureza. Não é de a cultura do povo brasileiro poupar ou esperar pelas coisas, nós simplesmente fazemos. E haverá uma procura enorme por aquilo que há muito não se tem... Casamentos, formaturas, festas, viagens.... Isso tudo está represado, claro que se os empresários tentarem desesperadamente tirarem seu prejuízo nos primeiros clientes, isso os afugentará, mas se aproveitarem bem.... Haverá muita procura. E uma demanda grande exigirá trabalho dobrado que exigirá mais pessoas e haverá vagas...

                     Contudo, não são essas as mudanças que mais me inspiram.... Não são só essas mudanças que espero ver e viver. O que sonho mesmo são as mudanças no coração de cada um de nós. Que percebamos novamente o valor de ser livre... Liberdade é algo que não pode ter preço.... Tem que ser inegociável. Que possamos insistir em ter paz, pois de nada adianta termos condições de comprar o que quisermos e não termos paz. Não precisamos de divisões, não precisamos de autoritarismo ou anarquia, precisamos de justiça, de justiça de fato. Não falo da justiça penal, falo da distribuição mesmo. Falo de ser justo. De ter e deixar ter... De ao invés de um ganhar cinco mil, cinco ganharem mil. Falo aqui da valorização do ser humano e daquilo que ele faz. De não tratar quem trabalha com ameaça ou como se estivesse prestando-lhe um favor em mantê-lo empregado. Quero que menos absurdos sejam vistos com normalidade que o caos não seja o novo normal.... Que haja de fato um futuro. Não para partes mas para um todo. Todas as manhãs o sol invade a janela de nossas casas anunciando mais uma chance que temos de fazermos melhor. De sermos as melhores versões de nós mesmos. Que façamos de toda essa tragédia uma reinicialização completa. É a chance de fazermos o bem para nossos filhos com o mal que vivemos. Ao meu ver, não podemos simplesmente voltar ao que fazíamos anteriormente, sem reflexão. Nada pode ser como antes mais, temos que aprender. Tudo tem que ter mudado... O mundo... O mundo ele ficou melhor sem nós. Praias mais limpas, bichos saldáveis, poluição menor.... Então, poderíamos voltar para esse mundo, pessoas melhores também. Esse seria nosso maior reboot. É nossa maior chance.