domingo, 18 de agosto de 2013

Boa Praça

Certamente todos já ouviram falar que, ao aproximar-se da morte, passa-se um filme na cabeça das pessoas, um filme sobre a vida dela... Pois é, esse filme passa na minha mente todos os dias antes de ir dormir, é como se eu espalhasse as fotos da minha vida inteira sobre a mesa, e em cada uma delas morasse uma história... Uma pessoa diferente, e, inevitavelmente ao passar esse filme, me pego a indagar a minha real missão na terra... Acho que todo mundo já se questionou sobre isso algum dia... Mas pessoas como eu, fazem isso sempre.  Eu me lembro de noventa por cento dos acontecimentos em minha vida após os dez anos de idade... Antes disso somente uns flashes...
      Passo lentamente cena a cena. Ainda lembro-me dos rostos, dos cheiros, das pessoas... Lembro-me de quem me fez mal, e me esforço em dobro para me lembrar do mal que fiz às pessoas, dos meus erros, dos meus pecados... Sofro com minhas culpas, e mais uma vez, o gosto salgado lacrimal me acorda do transe, era apenas a primeira desgarrada das demais que fugiram da represa, eu não me envergonho do que sinto, não me envergonho de ter errado tanto. Não seria mais fácil esquecer? Seria ! Mas foi o sal das minhas lágrimas que me fez forte, prefiro viver com meus erros, e ter em vida a oportunidade de pedir perdão e não mais cometê-los do que simplesmente fechar meus olhos, esquecer, e dormir...
       Minha real missão na terra? Eu já pensei muito sobre isso, eu sou o modelo errado para o mundo moderno, sou o cara que ainda olha nos olhos antes de olhar para a bunda, sou aquele que enxerga a bondade encrustada nos rejuntes dessa sociedade acelerada, desatenta, cruel. Sou quem sofre por amor em tempos de guerra, sou o oposto do que diz meu rótulo e isso é tão difícil enxergar para a maioria das pessoas... Eu me sinto muitas vezes, como o fogo... Milhares de pessoas se aproximam de mim, com suas tochas apagadas e eu as acendo, elas se vão, iluminando o caminho por onde passam... Mas eu, não consigo me iluminar. E fico ali, só.
       Pessoas como eu, santificam as vitórias, pois sabemos que elas são raras, nosso sorriso não perdura muito tempo. Nossas vidas oscilam demais, temos momentos de animosidade, que por carência aplicamos o rótulo: felicidade! E muito, mais muito rápido sentimos o gosto amargo da derrota, e esse sim, custa a desaparecer dos lábios. Há dias que me sinto como um prisioneiro, um hamster na gaiola, e outros dias, me sinto como um pássaro que voa livre sobre o oceano... Pessoas como eu, passam a vida inteira esperando por um momento, um único lance, uma bola, para valer a passagem, para valer o ingresso... E quando essa chance chega, e conseguimos enxerga-la nesse panorama cinza de hoje em dia, emanamos tanta luz, que novamente, outras vidas se iluminam... E se vão. Nessa trajetória, vejo árvores sendo derrubadas e decepções nascendo dia a dia, vejo torres inteiras ruírem como os sonhos de quem se sente um eterno adolescente a todo minuto, vejo pessoas indiferentes, sentimentos se perdendo... Identidades corrompidas, e  vejo cada vez menos pessoas, e cada vez mais estatísticas, números...
       Curiosamente, dos anos que não me recordo, existe uma imagem, uma fotografia... Sou eu aos quatro anos de idade, em uma praça... Inocentemente espantando os pombos. É uma das minhas imagens favoritas, e justamente do período que não me lembro.  Já ali, a criança que não saia muito de casa, enchia a alma de animosidade, e já sem saber quem seria. Até hoje eu não sei, se sou o fogo ou se sou a tocha... Se eu sou o hamster na gaiola ou o pássaro que sobrevoa o oceano, e minha mão segue à espera de liberdade, de uma mão que me leve pelo caminho, me leve para sobrevoar o mar, que acenda minha luz para jamais se apagar... Gente como eu, não sabe ignorar os sinais, não esquece quem ama, não vira às costas pra nada, acredita nas pessoas, gente como eu... Sonha, sofre, sangra e espera pacientemente, um lance, uma bola, um milagre... Afinal, quem sou eu na foto? O menino... Ou o pombo?!


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