domingo, 8 de janeiro de 2017

Bala de coco

   Tenho poucos flashes de lembranças da minha infância... Um desses flashes é quando ouço a expressão “O melhor da festa é esperar pelo bolo” eu me lembro de como eu era vidrado em outra coisa nas festas... Nas balinhas de coco. As crianças se acotovelavam envolta da mesa do bolo buscando avidamente por brigadeiro e cajuzinho, aquele docinho gostoso de leite ninho... Mas eu, embora seja louco por brigadeiro, e por chocolate, ficava verdadeiramente encantado por aquelas balinhas embaladas em papel crepom colorido, as cores vívidas e aqueles picotadinhos do crepom davam um toque especial na decoração da mesa... Dentro deles, uma bala de formato desigual, nem redonda, nem quadrada  branca... Simplória por fora e de um doce instantâneo, elas ainda derretiam vagarosamente na boca, era um êxtase  único.
                                               
               A vivência me trouxe a toda a lembrança desse sabor quando reflito sobre amor e paixão... Há sem sombra de dúvidas, uma diferença entre AMOR e PAIXÂO, mas não são coisas opostas, certas vezes, o amor é fruto de uma paixão, ou trata-se de uma paixão evoluída, de fato, não dá para ter amor sem paixão, ele adoece murcha, desidrata... Já a paixão é uma chama... Um sentimento que aflora em todos os poros do corpo, e, rapidamente rouba-lhe todos os sentidos, por esse breve tempo, não há nada que se faça, sem pensar no outro... O desejo, o sonho, tudo se afunila nos olhos, e fica tão nítido... Que podemos dizer te torna exposto, vulnerável, e por tanto, volátil. Quando esse “tsunami” chamado paixão, evolui para amor... Muita coisa que era tratada como “passageira” pelos lábios que insistiam em  dizer, que “ não passa de momento” caem por terra e causam danos...  No amor, aquilo que era experimento, torna-se  uma dependência e passamos a beber nas palavras dessa pessoa, mendigar seu carinho, sua atenção, e na medida em que isso acontece, o amor próprio te abandona, escorre entre os dedos... É o primeiro que perdemos sem sequer perceber, e é a principal causa daquela sensação de estarmos “sem chão “ quando um relacionamento acaba... Somos um recipiente se esvaziando a cada segundo numa relação...Que depois nos torna, menores que nada... Vazios, sem ter noção certa do que aconteceu, de como viver dali em diante, a tristeza... A decepção, tudo, fruto daquilo, que geralmente nós energizamos... Amar alguém é correr este risco, de esvaziar-se em vão, de esgotar-se em sentimento, de dar e esperar, esperar, até sua carência se transformar em arma por pessoas, que mesmo sem intenção, usarão contra você no momento oportuno. O que vem depois é somente a colheita pelo que se planta, analisando friamente, ninguém tem a obrigação de ser  exatamente o que queremos que essa pessoa que desenhamos em sonhos e devaneios fosse... E infelizmente, só nos damos conta disso, meses, anos, décadas depois, algumas vezes, já desertificados incrédulos no amor nesta configuração, outras... Tão traumatizados que nem falam sobre o assunto...
                  Contudo, ressalto que não há ação preventiva, ao menos eu não encontrei... Pois quando se acha estar imune,  cansado... De tanto sofrer, de tanta dor... Não querendo trocar olhares mais com ninguém, não dar chance alguma para nenhuma fagulha de paixão crescer... Acontece. E a felicidade que ganhamos é tão repente e intensa que o ciclo recomeça e nada do que foi aprendido, supostamente “aprendido” vem à mente, sequer uma lembrança útil de como isso pode acabar para ti...Não há como o amor sobreviver sem a paixão, bem como não há como evitar se apaixonar, e por sua vez não há como esvaziar-se, no mínimo se consegue é ter aquele vírus chamado desconfiança, que oxida tudo o que encosta, mas é tão nocivo para sentimentos como é para tudo na vida, de fato. Então como não sorrir ao ver, novamente, após tantos anos, uma mesa cheia de balas de coco? E enquanto chega à vez dos  teus filhos se acotovelarem a mesa em busca dos brigadeiros, você sorrateiramente põe num copo plástico duas balas de coco, e num cantinho, vagarosamente, abre a bala e a põe na boca, e tudo vem à mente, flashes contínuos de desejos, sabores, e êxtase... Mas tão breve, tão rápido, parecem horas, mas são somente alguns segundos... E no fim, só o que ficam, são marcas...Do papel crepom colorido da embalagem em suas mãos suadas ou das lembranças em seu coração...

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